terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

DOM BOSCO

A. Auffray SDB

Tradução de D. João Resende Costa,
Arcebispo de Belo Horizonte

APRESENTANDO A EDIÇÃO BRASILEIRA

Quando se finda cá no mundo uma vida humana, pode-se escrever na lousa do sepulcro: "Cinzas". É o corpo um punhado de cinzas que se atira à terra para com ela se confundir na profunda humilhação das coisas sem valor. Mas não é cinza a alma que se transplanta viva para a vida sem fim da eternidade, de onde voltará a buscar o corpo na última tarde do mundo. Nem são cinzas os atos humanos, os atos livres e conscientes do homem. Eles procedem da alma que não morre e com ela participam da imortalidade. São um punhado de sementes que se atiram à terra fecunda da história para germinarem em exemplos, em emulação, em glória ou em vitupério.
Que precioso punhado de sementes que é a vida de Dom Bosco!
Que estupenda floração de exemplos de santidade, de estímulos para o apostolado, de sincera e exultante glorificação! Onde quer que se leia a narração dessa vida cheia da mais vária policromia de fatos, de vicissitudes, de heroísmos, de incompreensão dos homens, d
e proteção do céu, de milagres, de profecias, de vasta e ubertosa irradiação de apostolado, iluminam-se as frontes, aquecem-se os corações e movimentam-se todas as fibras do entusiasmo. E mais de um leitor ou ouvinte deve exclamar comovido: "Bene omnia fecit" . - Tudo o que ele fez saiu bem! "Psallite Domino quia gloriosa fecit; innotescat hoc in universa terra" . Louvai a Deus que realizou coisas tão gloriosas; é preciso que toda a terra conheça tais maravilhas.
Ora, dos muitos que escreveram a vida de Dom Bosco, "para que toda a terra conheça tais maravilhas", o ilustre salesiano francês, P. Agostinho Auffray, está entre os que mais palmas lograram merecer, pela maneira feliz com que soube aliar a fidelidade histórica, o sabor literário e a analise perscrutadora dos vários lados da figura desse "Gigante da caridade".
O leitor, ao mesmo tempo que penetra sensivelmente no recinto histórico em que viveu Dom Bosco e contempla o vivo desenrolar-se dos acontecimentos em que o Santo foi protagonista, tem a satisfação de se ver nisso acompanhado por um guia ilustrado e atencioso, o qual não deixa passar despercebido nenhum dos tesouros que se escondem sob a amável simplicidade do grande educador do século dezenove.
Foi o desejo de tornar participantes de tanta riqueza aos leitores patrícios que nos levou à audácia de tentar a tradução de obra tão formosa. Dizemos audácia, sim, porque esta pobre tradução deixa apenas adivinhar o que se contém de primoroso no áureo estilo do original, premiado pela Academia Francesa. Em todo o caso procuramos ser fiel. E fazemos votos que a singeleza de nosso estilo desataviado tenha por isso mesmo deixado subsistir livre e dominadora toda a cativante nitidez da narração e da análise do autor.
Neste ano se comemora o primeiro centenário do Oratório de Turim, isto é da primeira casa em que Dom Bosco morou definitivamente com o seu inquieto bando de "biricchini". Esses meninos travessos que, ao calor da pedagogia apostólica do Santo, se transformaram em modelos de virtude e até em heróis de santidade. Hoje essa casa humilde cresceu. .É grande. É uma cidade. De aí, envoltos nas suaves bênçãos maternas da Virgem Auxiliadora, se irradiaram para o mundo milhares de salesianos, que em todos os continentes, em 1.000 colméias parecidas com a de Turim, educam para Deus e para a sociedade centenas de milhares de meninos. O ritmo que governa a vida dessas casas é o mesmo ainda do coração apostólico de Dom Bosco.
Possam estas páginas contribuir para que esse ritmo seja cada vez mais preciso.
Dessa precisão, que não é mecânica nem fria, porque é o ritmo da vida, da vida salesiana, luxuriante floração de perene primavera, nascida desse rico punhado de sementes que é a vida de Dom Bosco.
Isto escrevíamos a 16 de agosto de 1946. O tempo passou. O livro teve sua segunda edição. Depois, a terceira. Convidado agora a rever a tradução para sua quarta edição brasileira, fizemo-lo muito gosto, retocando apenas cá e acolá alguma expressão ou frase.
Sabemos que se poderia pensar muito legitimamente numa total remodelação da obra, num novo estudo, quem sabe, orientado por critérios atuais de análise de toda a imensa floração de prodígios que encontramos na vida do Santo. Alguém, sem dúvida, poderá faze-lo e com êxito. Esta obra, porém, - cujo autor já está com Dom Bosco na eternidade, - não pode senão conservar seu sabor original e próprio. Ela nos transmite a beleza singela e o colorido primitivo da
s figuras e dos fatos como os viram olhos amigos e sinceros, para os quais brilhou meridianamente a clareza da ação de Deus na vida de seu fiel servo.
Vamos deixá-lo então assim mesmo. E agradecer aos que, lendo e divulgando as edições anteriores, encorajaram a realização desta. E estamos certos de que ela ajudará também hoje a descobrir na figura e na obra de Dom Bosco um reflexo imortal da bondade de Deus.

Belo Horizonte, 24 de maio de 1969
+ João Resende Costa, S.D.B.

A. Auffray SDB DOM BOSCO Tradução de D. João Resende Costa, A: L.0, C.1.

UMA VOCAÇÃO MARAVILHOSA E CONTRARIADA


UMA VILA DO MONFERRATO: CASTELNUOVO D'ASTI
A leste de Turim, no triângulo que o Rio Pó e o Tánaro, seu copioso afluente, formam entre a velha capital e Alexandria, estende-se uma das mais férteis regiões da Itália Setentrional: o Alto Monferrato. É uma terra de suaves colinas onduladas que não chegam nunca a quinhentos metros de altura e a cujos pés sorriem ao sol os pequenos vales que anunciam de longe a vasta planície do Pó. Nas encostas dessas colinas, esparramadas na vastidão do campo ubertoso, sazonam as uvas de alguns vinhos típicos da Itália, o asti espumante, o barbera áspero com sabor de pederneira, e também o moscatel açucarado que conserva todo o perfume do cacho de uva.
Nos flancos das colinas só se vêem videiras e amoreiras; mas na planície se estendem os pastos gordos onde se repoltreia o gado que não partiu para os Alpes e triunfam infinitas plantações de trigo, milho, cânhamo e centeio. Zona rica, riquíssima que apresenta semelhança espontânea com a Costa d'Ouro da França, pelo aspecto, pêlos produtos, pelo brilho do sol.
Há ai uma população densíssima, que vive do trabalho da terra; e seus povoados, bem juntinhos uns dos outros, ora se prendem aos flancos dos outeiros, ora se estendem comodamente na concha dos vales. Quem atravessa essa região numa tarde quente de julho, entre a messe estendida ao solo e a uva que amadurece para a vindima, tem uma impressão de conforto e de alegria pouco comuns. Ri o sol sobre as espigas de milho que amarelecem, as videiras alargam os
ramos carregados de cachos, os montes de paveias constelam de manchas louras os campos cultivados, enquanto na paz da tarde ressoa uma velha canção a três vozes, executada por um coro de ceifadores ou de mulheres que revolvem o feno para faze-lo secar.
Bem na entrada da região, depois de passar Chieri, que fica a quinze quilômetros de Turim, o viandante encontra assentado numa forte colina, um grande burgo que a domina toda : é Castelnuovo d'Asti.
Ruínas de um castelo feudal coroam o cimo da colina e, na subida pelas vielas tortuosas do povoado, descobrem-se cá e acolá restos de fortificações. Na Idade Média castelnuovo teve de sustentar mais de um sítio no tempo da Liga Lombarda e no tempo dos Guelfos e
Guibelinos.
Nos nossos dias Castelnuovo é célebre porque aí nasceram dois santos: S. José Cafasso e SÃO JOÃO BOSCO.

A. Auffray SDB DOM BOSCO Tradução de D. João Resende Costa, A: L.1, C.1.

domingo, 21 de novembro de 2010